UMA LONGA HISTÓRIA
PELA CONQUISTA DE DIREITOS IGUAIS
Antonio Carlos Olivieri*
Lucrécia Bórgia,
uma mulher fatal da
sociedade renascentista
Consagrado internacionalmente à mulher pela ONU, no ano de 1975,
o 8 de março representa um marco no movimento feminino para adquirir
direitos iguais ou semelhantes ao dos homens nos planos político, jurídico,
trabalhista e civil. Mais que discorrer sobre a data comemorativa, vale a
pena aproveitá-la para repassar, panoramicamente, o papel da mulher
na sociedade humana, da Antigüidade aos tempos atuais.
Segundo os historiadores, sistemas matriarcais podem ter existido na Idade
do Bronze (cerca de 3000 a.C. a 700 a.C.), em Micenas ou Creta. No entanto,
nas antigas sociedades mediterrâneas mais conhecidas, como a da Grécia
clássica (séculos 5 e 4 a.C.) ou as do período helenístico
(séculos 3 a 1 a.C.), a mulher vivia uma condição legal
limitada e sem direitos políticos.
Não se tratava, porém, de uma situação uniforme:
em algumas cidades (pólis) gregas ou do Egito, o sexo feminino tinha
certos direitos de propriedade ou de igualdade legal. Em geral, porém,
a mulher dependia do pai e do marido e sua ação se restringia
ao âmbito da casa. Os casamentos eram arranjados entre o noivo, ou o
pai deste, e o pai da noiva. As viúvas e seus bens passavam para os
cuidados do parente mais próximo na linha de sucessão e estes,
se quisessem, podiam tomá-las como esposas.
De Aspásia a Lívia
Por outro lado, convém lembrar que a história e a literatura
não deixam de registrar exceções ilustres. Aspásia,
esposa do estadista democrático ateniense Péricles (séc.
5 a.C.), celebrizou-se como mulher de cultura, respeitada no círculo
filosófico de Sócrates. Além disso, a comédia
"Lisístrata", de Aristófanes - da qual existe uma excelente
adaptação de Millôr Fernandes -, retrata as mulheres de
Atenas num papel paradoxalmente ativo.
Para acabar a guerra contra Esparta, Lisístrata comanda uma greve
de sexo, que - pondo os homens diante do dilema combater ou transar - obriga
os atenienses a pôr fim às hostilidades. Trata-se de ficção,
sem dúvida, mas que elogia a sensatez das mulheres e sugere que elas,
melhor do que os homens, poderiam administrar as questões políticas
da humanidade.
Alguns séculos se passariam até que isso acontecesse e as
mulheres virassem protagonistas da política - embora não muito
melhores do que os homens, em termos de ética. Em Roma, Lívia
(58 a.C-29d.C), mulher do imperador Augusto e mãe de seu sucessor,
Tibério, conhecia muito bem os negócios do estado e foi praticamente
sócia de seu filho no exercício do poder.
Agripina e Nero
Também não se pode deixar de mencionar Agripina (15-59 d.C),
mulher do imperador Cláudio e mãe de Nero, que também
governou Roma e exerceu papel político até ser assassinada a
mando do filho.
Note-se, porém, que o poder político das mulheres romanas
era exercido indiretamente, por meio de seus parentes homens, e que tanto
em Roma como na Grécia, quando se fala em liberdade para as mulheres,
a referência é às classes altas ou médias.
As mulheres de classe baixa só desfrutavam de alguma igualdade com
os homens no campo trabalho, que era duro e penoso. Além disso, já
vigorava a famosa "dupla jornada", pois além de ganhar o pão,
cabia às mulheres o cuidado com os filhos e serviços como cozinhar,
fiar e tecer.
"A Cidade das Damas"
Pode parecer incrível, mas datam da baixa Idade Média as mais
remotas idéias feministas. Christine de Pisan (1364-1430) foi a primeira
escritora profissional francesa, autora de poemas e de tratados de política
e de filosofia. Sua erudição, segundo consta, ultrapassa à
dos homens que lhe foram contemporâneos em seu país.
Sua obra prima intitula-se significativamente "Cidade das Damas", e fala
da igualdade natural entre os sexos, além de registrar vidas femininas
exemplares. Além disso, não por acaso, Pisan escreveu também
uma biografia de Joana D'Arc (1412-1431), a padroeira da França e heroína
da Guerra dos 100 anos.
Durante o Renascimento houve um retrocesso da condição social
da mulher, que teve restrito seu acesso aos estudos e ao exercício
de diversos ofícios e profissões. O mercantilismo confirma o
homem como protagonista da história e devolve as damas ao recesso do
lar. Mas não se pode deixar de mencionar figuras femininas incríveis,
como Lucrecia Bórgia (1480-1519), filha do papa Alexandre 6º.,
uma legendária "mulher fatal" que aliou beleza e poder de sedução
para tornar-se instrumento da política de seu pai e de seu irmão.
É o também caso de Catarina de Médici (1519-1589),
originária da poderosa família florentina. Ela se tornou rainha
da França, ao se casar com o duque de Orléans (futuro rei Henrique
2º.), e exerceu a chefia de Estado, como regente, de 1560 a 1574, com
arbitrariedade e despotismo. Ao mesmo tempo, edificou em Paris o palácio
das Tulherias, ampliou o acervo da biblioteca parisiense, ordenou a ampliação
do Louvre e contribuiu para o engrandecimento da cidade.
Direitos das mulheres
Todavia, só se pode falar em reivindicação dos direitos
da mulher a partir do século 18, com o advento do Iluminismo e da Revolução
Francesa. Datam dessa época as primeiras obras de caráter feminista,
escritas por mulheres como as inglesas Mary Wortley Montagu (1689-1762) e
Mary Wollstonecraft (1759-1797). Esta última escreveu o livro "Em
Defesa dos Direitos das Mulheres" (além de - só por curiosidade
- ser a mãe de Mary Shelley, a autora de "Frankenstein").
No século 19, no contexto da Revolução Industrial,
o número de mulheres empregadas aumentou significativamente. Foi a
partir desse momento, também, que as ideologias socialistas se consolidaram,
de modo que o feminismo se fortificou como um aliado do movimento operário.
Nesse contexto realizou-se a primeira convenção dos direitos
da mulher em Seneca Falls, Nova York em 1848.
Também em Nova York, em 1857, aconteceu o movimento grevista feminino
que, reprimido pela polícia, resultou num incêndio que ocasionou
a morte de 129 operárias, justamente no dia 8 de março. A data
e o número de mortes, porém, são controversos: o incêndio
teria ocorrido numa greve de 25 de março de 1911 e seriam 140 as sua
vítimas (26 homens).
Para os defensores dessa versão, a greve de 1857 foi pioneira, mas
não resultou na catástrofe. Pelo pioneirismo, o seu dia inicial
foi proposto como data comemorativa pela comunista alemã Clara Zetkin,
no 2º. Congresso das Mulheres Socialistas, de 1910. Posteriormente, as
duas greves se confundiram no imaginário social e o que aconteceu,
de fato, a 25 de março de 1911, foi transferido para o dia 8 do mesmo
mês várias décadas antes.
"O Segundo Sexo"
É importante esclarecer que, se a luta das mulheres pela diminuição
da assimetria na relação com os homens ganhou impulso na virada
dos séculos 19 e 20, ela se estendeu ao longo de todo o século
passado, atingindo seu ápice na década de 1960, que foi marcada
por uma ampla revolução no âmbito dos costumes.
Datam dessa época movimentos femininos como o NOW - National Organization
of Women, comandado pela norte-americana Betty Friedan, e obras como "O Segundo
Sexo", da filósofa francesa Simone de Beauvoir (1908-1986), que demonstra
que a hierarquia entre os sexos não é uma fatalidade biológica,
mas uma construção social.
Nísia Floresta
É impossível finalizar sem registar que a luta das mulheres
não terminou, pois o machismo ainda é grande em grande parte
do mundo, em especial nos países africanos, asiáticos e latinos,
entre os quais o Brasil. Aqui, para citar somente um exemplo, as estatísticas
de violência doméstica contra a mulher apontam grandes e graves
problemas nesse sentido.
Mas justamente no Brasil, ainda no século 19, atuou uma das grandes
pioneiras da emancipação feminina, injustamente esquecida pela
maioria dos seus compatriotas: nascida no Rio Grande do Norte, Nísia
Floresta (1810-1885) foi uma das principais personalidades que introduziram
o feminismo no país. Ela atuou como educadora, jornalista, tradutora,
escritora e poetisa. Residiu no nordeste e sul do país mas também
passou boa parte de sua vida na Europa, especialmente na França, onde
morreu. Uma mulher notável, que bem merecia ser tema de pesquisas escolares.
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*Antonio Carlos Olivieri é
escritor, jornalista e diretor da Página 3 Pedagogia & Comunicação.
olivieri@pagina3ped.com