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A OBRA DA POETA KIKI DIMOULA REFLETE TEMPOS DIFÍCEIS VIVIDOS PELA GRÉCIA

New York Times / Zero Hora
24.01.2013

Atenas, Grécia – Ao descrever a atmosfera de seu país hoje, Kiki Dimoula, a combativa poetisa nacional da Grécia, foi franca.

— Escuridão e caos — disse ela, fumando um cigarro.

Dimoula pode ter um dom para ser dramática, mas suas palavras são sempre escolhidas com cuidado. Sua poesia, austera, profunda, desprovida de sentimentalismos, lhe rendeu seguidores devotados na Grécia, transformando naturalmente o cotidiano no metafísico e baseando-se nas poderosas temáticas do destino, do tempo e da sorte — tornando-as, porém, inteiramente suas.

Um dos escritores gregos que são seus contemporâneos, Nikos Dimou, chamou Dimoula de "melhor poetisa grega desde Safo", e ela é a primeira poetisa viva a ser incluída na coleção de poesia da prestigiada editora francesa Gallimard. Traduções de sua obra para o inglês, no entanto, são raras.

No último semestre, uma nova antologia de poemas seus, "The Brazen Plagiarist" ("O plagiador descarado", em tradução livre), foi publicada pela Editora da Universidade de Yale, traduzida por Cecile I. Margellos e Rika Lesser, trazendo seu trabalho para o inglês pela primeira vez em quase duas décadas.

Dimoula não fala inglês — Eu era preguiçosa — disse ela se desculpando, e teme que suas acrobacias verbais gregas possam não se traduzir bem. Na introdução à nova antologia, escreve que se preocupa com a possibilidade "de a ponte entre uma língua e outra não ser boa o suficiente".

Essa ponte, na realidade, é muito forte. Assim como a escritora.

— Minha pátria é minha língua.* Ela é a minha identidade. Ela me transmite segurança — disse Dimoula, sentada em um sofá de veludo escuro na elegante sala de estar de Margellos em Atenas. Com o marido, o investidor grego Theodore Margellos, Cecile fundou o selo República Margellos de Letras na Editora da Universidade de Yale.

Ao seu redor, as paredes mostravam motivos neo-otomanos. Um vaso de dálias vermelho-sangue estava sobre a mesa de centro espelhada. Dimoula se recostou em uma almofada de seda turquesa. Seu cabelo grisalho tinha um corte curto e elegante. As linhas ao redor de seus olhos revelavam um legado de risos e perdas.

Em uma tradição literária na qual os poetas têm sido reverenciados quase como deuses intocáveis, Dimoula se destaca por ser simples e acessível. Nascida e criada em Atenas, Dimoula teve por anos um trabalho burocrático no Banco da Grécia — assim como o pai e o marido — antes de parar de trabalhar, em 1974. Ela criou dois filhos e é uma avó dedicada.

O trabalho burocrático não era divertido — Era uma prisão — disse ela. Todas as manhãs, durante a ditadura militar da Grécia, que durou de 1967 a 1974, seu supervisor fazia com que ela retirasse uma fênix de metal, símbolo dos coronéis, de dentro de uma gaveta, e a colocasse sobre a sua mesa — É o meu pássaro, Dimoula, meu pássaro! — contou ela, rindo da lembrança.

Aqueles foram tempos sombrios. Hoje, com a Grécia desmantelando sua assistência social em meio a uma devastadora crise de dívida, ela receia que a situação possa ficar ainda mais terrível.

— Eu acredito que as coisas podem ficar ainda piores do que no período de junta — disse ela — A junta vigiava e limitava a liberdade dos esquerdistas; agora, o país inteiro está sendo perseguido.

Como todos os aposentados gregos, Dimoula sofreu um corte na aposentadoria.

— Por causa de 100 pessoas que abusaram do poder, todo o país teve de pagar — disse ela, com raiva, fumando outro cigarro, referindo-se aos muitos escândalos financeiros da Grécia.

Dimoula disse que acompanha o noticiário e ouve os discursos políticos, especialmente os do líder do Partido Socialista, Evangelos Venizelos, famoso por sua oratória.

— Ele é muito cuidadoso. Tem um talento natural para ser orador — disse ela, que explicou estar examinando a qualidade, não a autenticidade dos discursos. Ao responder se acreditava nas palavras de Venizelos, balançou a cabeça — Não.

Em um discurso de 2011, quando recebeu o prêmio literário de maior prestígio da Grécia, o Grande Prêmio Nacional pelo Conjunto da Obra, Dimoula falou sobre o papel da cultura em tempos de crise.

— O modo como a sociedade percebe as questões artísticas, em geral, depende do quanto a sua alma aceitou a crença de que a arte (a poesia, neste caso) não irá impor limites à evasão que ela proporciona — disse ela na ocasião. Em 2001, quando se tornou a primeira mulher a receber um prêmio pelo conjunto da obra da Academia de Atenas, Dimoula começou a dar entrevistas aos meios de comunicação gregos, que rapidamente se tornaram quase tão conhecidas quanto a sua poesia.

Segundo Marilena Panourgia, editora da Ikaros, que publica os livros Dimoula, metade das cartas que a editora recebe são de pessoas que querem conhecer a poetisa. Lá ela desfruta da ilustre companhia de dois Prêmios Nobel de literatura da Grécia: George Seferis e Odysseas Elytis.

Como tantas pequenas empresas da Grécia, a Ikaros está lutando para não sucumbir.

— Nos bons tempos, não comprávamos casas nem barcos, mas publicávamos uma quantidade de livros que sabíamos ser superior à que seria comprada — disse Katerina Karydi, cujo pai fundou a Ikaros em 1943, com um sorriso triste. Ela concedeu uma entrevista na livraria da editora, em meio a prateleiras de livros de bolso elegantes, com páginas que têm de ser abertas com um cortador de papel.

Dimoula disse que odeia reler seus próprios poemas. Em vez disso, prefere tratá-los friamente, como "uma madrasta". Ela professa uma crença quase criativa no pessimismo.

— O pessimismo é um amor íntimo pela vida — disse ela — O pessimista é aquele que não consegue desfrutar dos prazeres da vida e que tem muita consciência de que tem a paixão dos insatisfeitos e insaciáveis.

Acima de tudo, Dimoula lamenta a morte do primeiro marido, Athos Dimoulas, um poeta que a incentivou a também escrever poesia, falecido em 1985. Ela presta tributo à sua memória na antologia "Salve, nunca", de 1988. Ao escrever esse livro, diz que pensou apenas em como seria possível recuperar o que desapareceu — Toda a minha poesia trata disso — disse Dimoula.

As fotografias são um tema recorrente, uma maneira de capturar o tempo. Em outros poemas, Dimoula usa o cotidiano como uma porta de entrada para o infinito. Em "Mãe do andar de baixo", dedicado a seus filhos, ela escreve sobre como é mudar de casa. "Caixas de papelão presas com cordões / umbilicais cortados", escreve ela. "O termômetro infantil esquecido por dias / na axila da história, não mais febril."
— O tema principal da poesia de Dimoula é o nada — disse o escritor Nikos Dimou — É o fato de que nossa existência não é real, mas precária, sempre agravada pela reflexão sobre a morte, pelo tempo, pela decadência.

Para Dimou, assim como Emily Dickinson ou o grande poeta grego Constantino P. Cavafy, Dimoula tem uma voz própria muito simples, muito específica, muito individual. Ela é inconfundível.

A poetisa disse estar decepcionada com o fato de que a sua prosa complexa é acessível para muitas pessoas.

— Fico ofendida — disse ela — Será que sou tão compreensível assim?

Ela também minimiza a importância do fato de os leitores se identificarem com a sua poesia, especialmente em tempos tão sombrios.

— As pessoas me dizem que minha poesia é um consolo, e eu me pergunto como ela pode consolá-los, porque eu mesma estou inconsolável.

Dimoula havia dito anteriormente que se inspira no que acontece na vida cotidiana — Eu não tenho visões. Eu não sou uma poetisa visionária.

 A luz da tarde adentrou pelas janelas altas. Lá fora estava Atenas, uma cidade à beira do abismo.

— Eu quero transformar a realidade em algo menos real — disse ela.
_____________
* Expressão utilizada anteriormente por Fernando Pessoa.

Kiki Dimoula nasceu em Atenas (19/06/1931) e é membro da Academia de Atenas desde 2002. Recebeu o Grande Prêmio Nacional pelo Conjunto da Obra, em 2001 e o Prêmio Europeu de Literatura de 2010.